sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Reis magos, xamãs e o real sentido natalino


Quando cumpri a disciplina sobre folguedos populares com o grande cenógrafo Clóvis Garcia, na ECA/USP, me lembro dele ter desfeito os sonhos de diversos colegas ao desmistificar algumas crenças natalinas. Uma delas foi a dos três reis magos que, segundo ele, não eram três, nem magos, somente reis, pois a Bíblia se refere a eles somente como os reis do Oriente - e somente no evangelho de Mateus... Sempre me fascinei pelos reis do presépio que eu montava em Mogi das Cruzes com os musgos do quintal, retirados da terra com uma espátula e acomodados na borda do estábulo em miniatura aos pés da árvore de Natal. Me diziam que se chamavam Gaspar, Melchior e Baltazar. Eles estão lá na folia de reis, folguedo presente no Brasil desde o sul até o nordeste, que ganha as ruas interioranas a partir de amanhã, cantando, de janela em janela, o menino que está para chegar. Há outros folguedos celebrando este nascimento - sim, é bom lembrar disso quando o imperativo parece ser apenas comprar, comprar,comprar - como as Pastoras, o Bumba-meu-Boi, e outras folganças. Mas, voltando aos reis, que viram a estrela-guia e a seguiram até encontrarem o menino na manjedoura (nome fascinante, pois trata do local onde os animais comem, no verbo "mangiare", na língua italiana). Quando estive em Colônia, na Alemanha, na famosa catedral gótica, aquela que cuja dimensão não cabe nos olhos, há um rico relicário dourado, como a arca da Aliança, que, dizem, guardam os despojos dos reis magos. A lenda conta que levaram presente ao menino, inclusive especificando que se tratava de ouro, incenso e mirra. Bom, aí é que surge a tradição de presentear. Não imaginavam que isso se sobreporia à própria essência natalina, que é a do início do ciclo, o nascer para morrer e renascer, etapas do caminho iniciático. Nesse sentido, outra lenda, nada bíblica, a do Papai Noel - recebi via rede social um cartum radical em que um menino perguntava ao velhinho onde ele estava na Bíblia... - remete ao mesmo processo. O personagem Noel, originário da gelada Lapônia, na Finlândia, seria um sábio xamã, hábil em circular pelos mundos espirituais montado nos seus animais de poder, as renas. Quem já buscou entender as práticas xamânicas sabe que na maioria dos povos ancestrais a viagem do xamã pelos mundos dos espíritos e dos mortos se dá com o auxílio desses animais de poder ou subindo na "árvore da vida", aquela que une os mundos subterrâneo, o material e o dos espíritos. Daí a tradição pagã da árvore de Natal. Bom, no meio disso tudo dá para perceber o quanto vamos nos afastando do verdadeiro sentido natalino, que é o da elevação espiritual, esta desgastada pelo mero comércio, que vai nos empanturrando a alma ao longo dos anos... Os reis do Oriente levavam presentes simbólicos, assim como o menino é o símbolo da nova era. Se conseguirmos nos desintoxicar desse vazio material, conseguiremos, enfim, tocar a verdadeira essência do Natal. Seja lembrando dela nos encontros familiares ou simplesmente cantando uma Folia de Reis. Bom nascimento a todos!

Um comentário:

Anônimo disse...

Legal esse post. Didático e Divino ao mesmo tempo.

PP