quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A mulher suspensa no ar


Pois houve um tempo em que o Pavilhão José Bezerra arrasava em qualquer cidadezinha do interior da Bahia. Havia um número "matador". Por ser a companhia propriedade de um mágico, o número principal do espetáculo era o de levitação. Quem participava era sua filha. Cabelos longos soltos, túnica branca, ela entrava no picadeiro e se submetia a uma sessão de hipnose, aplicada pelo pai. A plateia, ao vê-la obedecendo-o a todo e qualquer comando, suspendia a respiração. Totalmente dominada, o mágico ordenava que ela se deitasse na mesa para o tão esperado número. Ela se deitava diligentemente, os cabelos cuidadosamente colocados de lado para, assim que o corpo levantasse, caíssem em direção ao chão, do qual ela se distanciava. Deitada, o mágico pedia extremo silêncio, tomando o cuidado de informar que, se houvesse algum tumulto, a menina corria o risco de morrer. Nesse instante todos os espectadores se imobilizavam. Teria início o número. Mal o mágico se prepara para gesticular lentamente induzindo à levitação, ouve-se um berro vindo de dentro dos bastidores. Irrompe no picadeiro uma senhora em desespero - a mãe da menina e esposa do levitador - implorando para que o número seja suspenso. Por longos minutos o mágico tenta consolá-la e fazê-la sair de cena. Atrás, da menina, toda a companhia está em pé, vestida de negro, aguardando o número. Pois um desses urubus se desloca e carrega a mãe para fora do picadeiro. Pronto, agora acontecerá: a mulher será suspensa no ar. Por mais longos minutos ela sobe, flutua, o mágico passa o grande anel mostrando não haver nada que a suspenda, e ela desce lentamente até pousar mais uma vez na mesa. O silêncio ainda impera, pois a menina ainda não recuperou a consciência. O mágico pede, então, à plateia que reze um Pai Nosso. Todos obedecem. Terminada a reza, os olhos da menina se abrem lentamente. Seu pescoço se vira e ela solta um indefeso: "Onde estou?" E o circo vem abaixo! O estrondo de palmas desfaz a tensão do número. Pois não é que a mãe volta, com um abaixo-assinado nas mãos, implorando assinaturas dos espectadores para que o número nunca mais seja apresentado? Mas, na semana seguinte, o mágico dá uma providencial passada na rádio da cidade, só para dizer claramente à população que, apesar das súplicas da esposa e do abaixo assinado, ele não poderá deixar o povo da cidade sem ver o número da mulher suspensa no ar!
A história foi contada pelo impagável Edy Star, que participou de grande parte das sessões de leituras das comédias de picadeiro de Abelardo Pinto Piolin, que aconteceram no Centro de Memória do Circo em outubro e este início de novembro. Aliás, foi um ótimo brinde no final da sessão de encerramento! Aproveito para agradecer a todos os participantes dessas leituras, que deixaram suas marcas interpretando os personagens e contribuíram para a análise de tão rica dramaturgia!

2 comentários:

Anônimo disse...

Que história fantástica!
Que timing cênico!
Queria estar lá...

Pp

Anônimo disse...

Marketing... Mesmo, possivelmente, sem conhecer grandes teóricos da área.
Beijo,
Elaides.