segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Diatribes do saci


Um misto de sonolência e inquietação fazia minha pele crispar na trama da rede, mal iluminada por uma acanhada lua cheia, insistentemente recoberta por sombras que delizavam pela noite. Sonolência por ser tarde e o dia ter demandado muito fisicamente. Inquietação por ser aquela altura da vida a que prenuncia sempre o que virá, uma busca constante de verossímil continuidade, algo que faça o mosaico adquirir sentido sem que precisemos tomar distância para observá-lo. Nesse estado, percebi a aproximação silenciosa, como se fosse um cão descompromissado, se achegando e resvalando, numa despretenciosidade que arrasta o vazio em busca de uma solução definitiva, impingindo a responsabilidade disso à sua vítima. O pequeno vulto se assentou no pé da pilastra, unindo joelho e cotovelo, enquanto a outra mão segurava o fornilho do pito, que às vezes baforava fumo, noutras silvava preguiçosamente, sem intuito de assustar ou alertar sobre algo. Entre sono, impaciência, presença e sussurro, sinto o sopro no ouvido:
- O que tem põe medo?
Penso: "Medo? Não havia entendido por esse aspecto..."
- Geralmente costuma-se dizer que é o mal da idade...
- Hum.
- Ou você ainda tem certezas?
- Nada. Isso se tem aos vinte anos. Depois vai dissolvendo...
- Medo de ficar sem dinheiro?
- Hã???
- É o que a maioria diz nesses tempos...
- Não, sempre precisei do necessário.
- Ah! O extraordinário é demais...
- Ué! Conhece isso? Pensei que só fazia suas estripulias nas florestas daqui...
- Hehehe. E se te tirarem o que não tem?
- Isso não afeta tanto. Quem tem muito é que sente falta do pouco que tiram. Quem não tem nada, por muito que tirem, só restará o nada mesmo.
- Boa resposta pra quem está inquieto.
- E você, não é o inquieto de que tanto falam?
- Shhhhhhhh!
- E hoje não é o seu dia?
- Dizem que sim. E eu até gosto.
- Medo...
- Olha, está escuro de novo. A lua se foi. De repente você está aí, quase dormindo, conversando com um saci...
- Querendo ser filosófico! Aliás, e esse barrete? Veio da filosofia iluminista?
- Quiseram que sim. Mas não trato das coisas complicadas. Trato só das coisas simples, como o medo.
- Fique tranquilo. Enquanto ele estiver aqui, continuarei me movendo.
- Fiiiiiiiu! Fiiiiiiu! Fiiiiiiu!
E saiu saltitante, concorrendo com as outras sombras. Gritei:
- Feliz Dia do Saci!

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito boa essa visita que você recebeu!
Que outras aconteçam.

Pp