quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A sonoridade suburbana de Passoca


O processo de transferência do caipira do Interior para a capital envolve a ordenação de um peculiar espaço social localizado nas bordas da mancha urbana de São Paulo: a sub-urbe. Trata-se de um espaço em que as comunidades vivem uma realidade que ainda não é urbana e tampouco rural, mas um amálgama de práticas, crenças, modos de viver, morar, se relacionar, etc. Essa área suburbana, preenchida por uma densa população garantiu o consumo de música caipira durante as décadas em que ela imperou nas rádios e nos discos, antes de se tornar "sertaneja". Em geral essa música guardava o sabor nostálgico de tempos mais puros - e mais difíceis - sempre valorizados por aqueles que decidiram mudar de vida e se transferir para a capital. Quem assistiu ao filme Marvada carne, de André Klotzel, entenderá bem isso após ver a cena final. O violeiro paulista Passoca, que nasceu em Santos e vive em Ribeirão Pires, borda suburbana de São Paulo, sempre soube musicalizar muito bem essa realidade. Desde a sua antológica Sonora garoa, incluída na trilha do filme de Klotzel - e que embala exatamente a cena final - sua obra tem se dedicado a mapear sonoridades suburbanas. Resgatou a deliciosa Moda de Botucatu, que atribui a Angelino de Oliveira e a Chico de Paula; gravou sambas inéditos de Adoniran Barbosa; cantou a história da música caipira e fez homenagem a João Pacífico. No DVD Violeiros do Brasil, projeto de Mirian Taubkin, ele aparece cantando uma moda de sua autoria, que sintetiza bem o sentido do suburbano. Para deleite do leitor, publico a letra, de uma poesia caipira/urbana.

Perto da Lagoa

Moro perto da lagoa
Casa de alvenaria
Moro bem perto da mata
Aí eu trabalho todo dia
Eu trabalho na cidade
Vendo água no metrô
Mas tem dia que eu não vou
Vou pescar lá na lagoa
Vou sozinho, sim senhor

Quando chove
Lá na mata fico alegre
Na cidade fico triste
Lá na mata o mato cresce
Fica verde o meu quintal
Na cidade o rio transborda
Fica todo mundo mal
E eu não sei o que é que eu faço
Quando eu paro no sinal
Há pessoas na cidade
que não têm pra onde ir
E tem gente lá da roça
que quer vir pra capital

Moro perto da lagoa... (Refrão)

Lá na mata fico triste
Quando a noite vem
Na cidade fico alegre
Quando o dia vai
Lá na mata solidão
Na cidade o neon
Na calçada a meninada
Perfumando a avenida
Com cheirinho de batom

Moro perto da lagoa... (Refrão)

Levo a vida na cidade
Vou ganhar o meu dinheiro
Lá na mata tenho pouco
Na cidade o mundo inteiro
Tá faltando a companheira
Ê, tá difícil companheiro...
Vendo água no metrô
Sei que não morro de sede
Nem de amor

Certo dia encontrei
Uma linda quarentona
Numa kombi, lotação
Que eu peguei uma carona
Eu cheguei bem perto dela
E ela bem perto de mim
A paisagem foi mudando
Fui com ela até o fim

Moro perto da lagoa
Casa de alvenaria
Moro bem perto da mata
Aí eu trabalho todo dia
Eu trabalho na cidade
Vendo água no metrô
Mas tem dia que eu não vou
Vou pescar lá na lagoa
Vou só eu e o meu amor...

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