terça-feira, 6 de setembro de 2011

O palhaço Piripipi ensina a ver o circo místico

"Sou um palhaço. Um ser imaginário que vive num universo onírico: o circo. No entanto, os sonhos são reais enquanto símbolos. O espetáculo se desenvolve num palco circular, numa mandala, numa representação do mundo, do universo. A mesma porta que serve de entrada, também serve de saída. Isso quer dizer que a meta é a origem. Interprete como quiser. Você sai do nada e volta para o nada.
(...) O lançador de facas nos ensina que suas lâminas metálicas, símbolos do verbo, são capazes de circundar a mulher de branco amarrada, símbolo da alma, sem feri-la. As palavras precisam ser domesticadas para se eliminar delas a agressividade e colocá-las a serviço do espírito: a finalidade da linguagem é mostrar o valor da alma, valor que é uma entrega absoluta. O engolidor de espadas nos mostra como fazer para acatar cabalmente a vontade divina sem qualquer resistência. A menor resistência provoca ferimentos mortais. A obediência e a entrega são a base da fé. O homem que cospe fogo simboliza a poesia, a linguagem
iluminada que vem para incendiar o mundo. Os contorcionistas nos ensinam como nos libertar de nossas formas mentais esclerosadas: não se deve aspirar a nada permanente. Nós temos que construir corajosamente na impermanência, em contínua transformação. Os trapezistas nos convidam a nos elevar acima de nossas necessidades, desejos e emoções para conhecer o êxtase de ideias puras. Eles evoluem em direção ao essencial, ou seja, à mente sublime. Os ilusionistas nos dizem que a vida é uma maravilha: não somos nós que fazemos os milagres, mas podemos aprender a vê-los. Os equilibristas mostram quão perigosa é a distração: chegar ao equilíbrio significa estar inteiramente no Presente. E, por fim, os malabaristas nos ensinam a respeitar os objetos, a conhecê-los profundamente, colocando nossa atenção neles e não em nós mesmos. É a harmonia na coexistência. Aquilo que nos parece sem vida, com nosso afeto e dedicação, pode nos obedecer e enriquecer."

(Descrição feita por Alejandro Jodorowsky no seu livro autobiográfico "A dança da realidade", Devir Livraria, 2009.)

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