terça-feira, 30 de agosto de 2011

O homem e a espingarda

Apesar da música caipira ter por hino uma toada que fala das Tristezas do Jeca ("...lá no mato tudo é triste, desde o jeito de falar..."), o humor caipira é primoroso. E, muitas vezes, até malicioso, sem descambar para o apelativo. Um exemplar muito representativo desse humor é a moda de Zé Mulato e Cassiano, O homem e a espingarda. Vamos à letra:



Analisando direito
Nossa vida é uma piada
Só quem não tem bom humor
Não acha a vida engraçada
Por eu ter cabeça feita
Não andar fazendo nada
Qu'eu fiz a comparação
Do homem com a espingarda

Dos vinte até os trinta
Nossa vida é muito boa
A espingarda anda armada
E o atirador caçoa
Sortimento tá sobrando
Muitas veiz atira à toa
É só triscar no gatilho
Que a língua de fogo avoa

Dos trinta até os quarenta
Pode prestar atenção
O atirador tem cuidado
Arma é de estimação
Não atira em qualquer bicho
Nem joga chumbo no chão
Só atira em caça boa
Pra não perder munição

E dos quarenta aos sessenta
Arma tem que ser tratada
Atira uma vez ou outra
Se for bem lubrificada
Por cada tiro ela passa
Um tempão dependurada
Dá um tiro e fáia dez
A mola tá relaxada

E dos sessenta em diante
Danou com os arrei' pro mato
Arma não atira mais
E se atirar é boato
Espingarda enferrujada
Só aponta pro sapato
Virou peça de museu
Esse mundo é mesmo ingrato

Depois desta triste fase
Só piora todo dia
Óia a arma tem na parede
Só ferrugem e maresia
Quem deu tiro e matou onça
Já nem assusta cotia
Nunca mais irá caçar
Lá no capão da furquia

A dupla de Brasília, embora nascida em Minas Gerais, gravou a moda em 1987, para o disco que registrou o show, produzido pela Funarte, em homenagem ao Capitão Furtado, radialista, sobrinho de Cornélio Pires e divulgador da viola. Ultimamente, nas apresentações da dupla, Zé Mulato, sexagenário, explica que quando compôs a letra da música até que a achava bem "engraçadinha", mas que agora não acha mais graça. "Não sei porque...", completa, para o deleite da plateia. Nessa mesma linha, durante encontro em Guararema, na casa em que os violeiros esperavam para se apresentar, Levi Ramiro, munido de uma das violas que fabrica, disse a Zé Mulato que iria guardá-la no quarto, acentuando que era uma "viola virgem". Ao que o mineiro respondeu: "Olha, se eu for dormir lá no quarto pode ficar tranquilo que ela vai continuar virgem!"

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por ser mais um brasileiro que dá valor a nossa cultura musical. Que DEUS lhe dê muitos anos de vida com saúde e felicidade e também aos seus familiares e amigos. Essa é mais uma dupla sertaneja raíz, da qual tenho todos os discos originais. Um abraço.
Waldomiro Silva dos Santos
Curitiba-Pr