quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O circo de José Fortuna

Desde que decidiu adaptar a guarânia Índia ("...seus cabelos nos ombros caídos...") para ser encenada no circo, o compositor Zé Fortuna, jamais deixou de escrever peças de circo-teatro, inclusive invertendo a equação, ou seja, compondo para suas peças e aproveitando essas toadas e modas para gravar em dupla com o irmão, Pitangueira. No último capítulo do livro Mixórdia no picadeiro, que será editado em breve, conto as transformações do circo-teatro impulsionado pela temática caipira nas décadas de 1940, 1950 e 1960, quando se destaca Zé Fortuna e sua trupe, Os Maracanãs. Dela falei já em outro post. O que quero falar aqui é sobre a marcha composta por Zé Fortuna dedicada ao circo. Apesar da originalidade, do tom nostálgico que geralmente envolve o circo, a canção acaba recorrendo ao estereótipo de que o palhaço finge ser alegre enquanto é triste por sua condição inata, figura gerada no Romantismo literário e que perdura até hoje. Quando entrevistei sua filha, Iara Fortuna, ela me contou que a grande matriz do repertório do pai eram os filmes melodramáticos europeus. Deu sua grande contribuição à cena paulista com suas histórias de sentimento rasgado, finais tristíssimos, gerador de uma enxurrada de lágrimas nas arquibancadas. Na foto, Pitangueira, Zé Fortuna e Zé do Fole.

O CIRCO (marcha)
José Fortuna

Recordo com saudade minha infância no interior
De quando vinha o circo na cidade onde nasci
Palhaços pelas ruas de bengalas a desfilar
Faz tempo, mas ainda não esqueci
Cachorros amestrados e elefantes a bailar
Um mundo de atrações a despontar dos camarins
Ao som de uma bandinha, um dobrado a tocar
Todos numa só voz dizendo assim:
Todos queremos
Ver o palhaço
No picadeiro saltar e correr
Aquele tempo
Ficou distante
Mas não consigo do circo esquecer
Anões, malabaristas e trapezistas a voar
Arrancando aplausos e suspense das gerais
Da linda equilibrista  que uma foto me ofertou
Eu juro não esqueço nunca mais
Crianças que vendiam pirulito a dez tostões
Na frente as barraquinhas de pipoca e amendoim
E toda a garotada entre palmas a gritar
Felizes a sorrir diziam assim:
Todos queremos
Ver o palhaço...
E hoje triste e só no picadeiro desta vida
O mundo para mim é um grande circo de ilusão
Como aquele palhaço também tenho que fingir
Sorrir trazendo em pranto o meu coração
Meus dias tão vazios são uma platéia sem ninguém
O tempo é a bandinha que me arrasta para o fim
Parece que ainda ouço no passado a multidão
Felizes a sorrir dizendo assim:
Todos queremos
Ver o palhaço...

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