segunda-feira, 13 de junho de 2011

As caipiragens de Antonio Candido


Durante muito tempo o termo caipira foi usado de forma pejorativa, sinônimo de sujeito acomodado, preguiçoso, pouco afeito ao trabalho. É possível que tal ideia tenha ganho destue com a carta enviada por Monteiro Lobato ao jornal O Estado de S. Paulo, em 1914, quando pregou no caipira o epíteto "piolho da terra", mesmo que o próprio Lobato passasse as décadas seguintes reconstruindo seu Jeca Tatu e dando-lhe características mais nobres. O caipira de fato, só seria conhecido mesmo na década de 1950, a partir de um estudo sociológico primoroso, de um pesquisador que logo abandonaria a Sociologia para fazer história na crítica literária: Antonio Candido. Aliás, cabe ressaltar que o viés sociológico permaneceu em obras seminais como Literatura e sociedade e Formação da literatura brasileira. Seu livro Os parceiros do Rio Bonito revela características essenciais do caipira que fogem às interpretações anteriores: sua economia mínima, sua condição de constante provisoriedade, a prática da ajuda mútua (mutirão) e, especialmente, seu papel de desbravador das terras que nunca foram suas (após cultivar seu pedaço de terra ocupado, era expulso pelo dono, que se beneficiava de sua roça). A distância entre os bairros fez com que as festas religiosas fossem ocasiões de dança e música, quando o caipira revia seus pares e com eles riscavam o velho instrumento que havia atravessado séculos sendo talhado no fio do canivete: a viola. Seu campo de pesquisa foi a região de Bofete, para onde partia frequentemente, entre os anos de 1947 e 1954, para visitar os parceiros que conhecera no processo de pesquisa e que lhe rendiam bons momentos de convívio. Chegou a morar por dois períodos em agrupamengtos rurais. Visitou ainda Piracicaba, Tietê, Porto Feliz, Conchas, Anhembi e Botucatu. A grande obra, entretanto, acabou sendo ofuscada pelo brilho do crítico literário, sendo somente redescoberta ao menos vinte anos depois de escrita. Evidentemente que é um clássico, especialmente por tratar de tema muitas vezes preterido pelos pesquisadores, e por contrastar a sociabilidade do caipira com o emergente gênero musical rural paulista, a princípio propriamente caipira mas depois tornado "sertanejo", por definição da indústria fonográfica, que o queria mais homogêneo e menos regionalizado.
Hoje com 93 anos, Antonio Candido é um dos principais intelectuais brasileiros ainda na ativa - fará palestra de abertura na Feira Literária Internacional de Paraty, que acontece entre 6 e 10 de julho próximo. Só a sua contribuição à sociologia se justifica com esta pesquisa de doutoramento. No entanto, ele ainda construiu uma monumental obra dedicada à crítica literária. Certamente ajudou a restabelecer o orgulho caipira, dando margem à reconstrução da identidade do morador das áreas rurais paulistas e ao reconhecimento de uma cultura caipira além dos estereótipos.

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