segunda-feira, 16 de maio de 2011

Churrasco de "gente diferenciada" vira negociação simbólica

A classe C leva referencial cultural das classes D e E para classe A e B. Sopa de letras? Não, churrasco. Assim foi na esquina da avenida Angélica com a rua Sergipe neste final de semana. Instada por uma infeliz declaração de um morador do bairro ao jornal Folha de S. Paulo, a classe C, que cresce com a chegada de recém-egressos das classes D e E, se mobilizou e promoveu um dos mais divertidos embates culturais desse novo século em São Paulo.
Os moradores de Higienópolis não querem estação de metrô no bairro para não atrair "gente diferenciada"? Então vamos fazer fumaça, tocar pagode e beber refrigerante popular - aqui um átimo de oportinismo de um fabricante que viu no evento uma forma de ganhar visibilidade comercial. Confronto social? Luta de classes, como alguns analistas quiseram ver? Não, negociação simbólica. Quem diria que veríamos isso às claras, em plena luz do dia, e não somente no âmbito das ideias? Pois é, e em pleno século da virtualidade. Vivemos tempos interessantes em termos de negociação simbólica. Claro que não se trata de uma negociação amigável, como as comerciais, mas uma negociação de sentidos, de modo que os que conquistam hegemonia se destacam. Como vem acontecendo com os referenciais culturais da classe C. Semana passada mesmo, um diretor da Rede Globo dava entrevista contando que a emissora ajusta sua programação para substituir o velho recurso do pobre que vira rico das novelas e seriados, por personagens genuinamente de classe média.
Difícil imaginar que Higienópolis abrigue uma pequena "massa" homogênea e compacta que apoie incondicionalmente a mesma opinião do morador, um bairro em que convivem paulistanos da chamada elite - suas terras foram ocupadas inicalmente pelos barões do café e depois por vários empresários, das mais variadas origens -, a comunidade judia, e um significativo contingente de empregados e prestadores de serviços que vivem nos bairros periféricos mas que se deslocam diariamente a Higienópolis, o que justificaria, para alguns analistas, a instalação da estação de metrô. Interessante que o bairro começou a se desenvolver na virada do século 20 a partir da instalação da linha de bonde elétricos que passava na rua Maranhão - não me lembro de ter lido isso nas várias análises que li sobre o embate pela linha de metrô. Há quem defenda formas de evitar essa "gente diferenciada" e os que não veem motivo para isso. Aliás, as relações sociais não são tão simplistas como querem os comentaristas dos sites de notícia.
Embora tudo tenha servido de pretexto para o churrasco da "gente diferenciada", o que ficou mais evidente foi a esquina ter virado uma arena de negociação simbólica: do churrasco participaram até os judeus. Tudo pacificamente. Para surpresa dos juízes de plantão, sempre em busca de bodes expiatórios, e dos analistas anti-marxistas. E, enfim, para o fausto pantagruélico dos processos culturais.

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