sábado, 14 de maio de 2011

13 de maio e Santa Isabel

(Escrevi este post para ser publicado ontem, mas a administradora do Blog esteve em manutenção desde a quinta. Assim, apesar do atraso, permanece a intenção...)

Treze de maio
É um dia muito bonito
As congadas já reunem
Pra festejar São Benedito

E a rainha
Com a bandeira na mão
Reza pra Santa Isabel
Que deu a libertação

Santa Isabel
É uma santa milagrosa
Libertou a escravidão
Por ser muito caridosa

A meia noite
A festa vai terminando
Eles deixam uma bandeira
Pra voltar no outro ano

A Folia interpretada pela dupla Moreno e Moreninho fez parte do repertório apresentado pela dupla em 1954 no Teatro Municipal de São Paulo e foi gravada dois anos depois, com grande sucesso, recolhida e adaptada por Teddy Vieira, Riachão e Riachinho. O mais interessante na letra dessa Folia -  não se trata de uma congada, pois, entre outras características, a interpretação conta com a participação do "contrato" (o contralto), figura essencial da folia, que faz o longo contracanto gritado no final das estrofes - é a mistura histórica que promove entre Santa Isabel e Princesa Isabel, entre milagre e libertação dos escravos.
A congada representa uma das mais bem acabadas manifestações de resistência cultural negra, pois celebra um rei, em geral uma liderança negra escravizada, mantendo a sua liderança, mas disfarçando-a de arremedo da corôa portuguesa. É como se a manifestação vivesse ao mesmo tempo duas dimensões: a oculta, que guarda a resistência da comunidade ao celebrar a liderança negra mesmo sob o jugo da Coroa; e outra, em que simula a celebração do dominador. O processo de aculturação envolve, como pano de fundo, a louvação de santos "negros", como São Benedito e Nossa Senhora do Rosário (esta por similitude, pois o rosário é objeto de fé também na cultura africana). Pois não é que na letra da folia há um evidente uso político da relação entre fé e história? Santa Isabel de Aragão foi rainha de Portugal a partir de 1282, quando se casou, aos 12 anos, com D. Dinis. Com a morte do marido em 1325, peregrinou até Santiago de Compostela e depois se recolheu a um mosteiro em Coimbra. Certamente o nome da filha de D. Pedro de Alcântara, que assinou a Lei Áurea, é uma homenagem à santa. E talvez a dupla representação esteja aí: a libertação não teria sido obra política - como todos sabem, tardia demais, pois o Brasil foi o último país no mundo a abrir mão da prática escravocrata - mas sim obra divina, da santa. O que, à primeira vista pode parecer confusão histórica pode ser, na compreensão da manifestação folclórica, mais um recurso de resistência negra. Prova de que a cultura popular não tem a simplicidade atribuída pelos seus primeiros pesquisadores nem guarda a ingenuidade que os mesmos quiseram ver a partir da cultura erudita. Enfim, um confronto simbólico em que o discurso se revela mais complexo do que a interpretação feita a partir de conceitos fechados.
Para fechar, ouça 13 de maio com Moreno e Moreninho e depois veja as fotos das congadas de Cunha do fotógrafo Paulo Pepe.

Nenhum comentário: