terça-feira, 5 de abril de 2011
A presença de Picolino
A primeira vez que conversei com ele foi em sua casa, há três anos, após agendar uma entrevista para falar de circo-teatro. Já aí o mito falava mais alto ao meu anseio de pesquisador. Aliás, pesquisar é ter a chance de contatar a experiência mais profunda a partir de pessoas que viveram o suficiente para te extasiar. É muito diferente da entrevista jornalística, em que se tem que cumprir uma pauta, e voltar para a redação com algo que satisfaça a necessidade de publicar alguma novidade. Entrevistar num processo de pesquisa é conhecer, aprofundar, se admirar, aprender. Foi assim com Picolino naquela feita e em tantas outras, depois. Ele guarda a essência do circo na alma. Aliás, ele é todo alma, e lá está o circo, sempre. Conta e reconta histórias, sem se cansar, como se encenasse mais uma vez aquela velha entrada, dando o seu melhor para arrancar o riso da plateia. Aos 87 anos, luta contra a velhice como quem assopra os gravetos para ver o fogo levantar novamente. Mesmo quando Roger Avanzi (Rogê, em francês), somos tentados a chamá-lo Picolino. É filho de Nerino Avanzi, que criou e conduziu o Circo Nerino, em atividade por quase 50 anos. Quando a lona baixou, em 1964, continuou levando o palhaço criado por seu pai no Circo Garcia. Depois, em 1978, foi ensinar na Academia Piolin de Artes Circenses. No final de 2010, participou da apresentação final do projeto "Entre risos e lágrimas: o circo no teatro (da pantomima aos dramas)", promovido pelo Centro de Memória do Circo e pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura - Arquivo Miroel Silveira, da ECA/USP, do qual participo como pesquisador de pós-doutorado. Ao lado de Fusca-Fusca, apresentou duas de suas mais tradicionais entradas. Agora, semana passada, soube, esteve nos estúdios da Rede Globo para participar da gravação do último capítulo da novela Araguaia, quando será homenageado. Notadamente, é difícil imaginar o quanto alguns segundos do horário nobre poderiam dar a dimensão de Picolino... Não daria tempo dele contar seus deliciosos casos de circo, nem declamar o poema que fez sobre o palhaço, muito menos relembrar trechos enormes de peças circenses, textos dificílimos, rimados, que não escapam de sua memória, nem com a proximidade das nove décadas! Ele estará lá, todos mencionarão seu nome, mas Picolino mesmo, não verão. Esse é o grande desafio da memória circense... ela está na oralidade, está na imagem, está no fazer cênico. Pode-se gravar, filmar, registrar. Mas a essência é a presença. Sorte daqueles que ainda poderão partilhar da presença de Picolino. Trata-se de um tesouro que se carrega para o resto da vida. E que não tem preço algum.(A foto do post é do Luís Alfredo.)
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