quinta-feira, 3 de março de 2011

Carnaval paulistano: operários imigrantes e negros

Um livro publicado em 2007 esmiuça brilhantemente o carnaval paulistano. Carnaval em branco e negro, de Olga Rodrigues de Moraes von Simson, se dedica a resgatar, inclusive em imagens, o "carnaval popular" de 1914 a 1988. As aspas na expressão merecem justificativa. Desde o Império, a manifestação popular do Carnaval, expressa principalmente pelo entrudo, farras levadas às ruas com guerras de água e farinha, foi sendo coibida por envolver grandes massas urbanas, e substituída gradualmente pelo modelo aristocrático do Carnaval: os bailes e corsos. O livro se dedica a tratar dos cordões, blocos e escolas de samba surgidos em bairros operários, fossem eles com cencontração de imigrantes ou de negros. A partir de 1930, consolidou-se um processo de homogeneização cultural, que contou, evidentemente, com o protagonismo dos meios de comunicação de massa (rádio e televisão) e teve, por resultado, uma festa com aprovação unânime pela sociedade. Isso porque aspectos considerados "ameaçadores" acabaram enquadrados num modelo que, criado no Rio de Janeiro, se tornou nacional: o desfile das escolas de samba, com suas regras rígidas e jurados implacáveis.
O aspecto mais interessante do livro é apontar um carnaval paralelo de brancos e de negros, que se desenvolve paralelamente. A presença de batalhas de confetes e Zé Pereiras no Brás, assim como na Lapa e na Água Branca, bairros de alta concentração de imigrantes italianos, revela um carnaval organizado por operários, com animados cortejos, bailes e cordões, que copiavam aqueles promovidos na região central da capital pela burguesia industrial. A partir da décadade 1930, essas manifestações passam a contar com o patrocínio dos comércios locais, que vêem nos folguedos uma oportunidade de ampliar seus ganhos, o que também dá grande impulso à apresentação dos blocos, que ganham em riqueza e criatividade.
Já os redutos negros da cidade - Barra Funda, Bexiga e Baixada do Glicério - também foram palco da organização de cordões, mas com um pronunciado senso de identidade sociocultural, colocando em evidência, por falta de recursos materiais, a dança e a música (samba). Não é à toa que desses bairros surgiram as futuras escolas de samba Camisa Verde (e Branca, depois da perseguição promovida por Getúlio Vargas, e pela confusão com os "camisas verdes", como eram chamados os integralistas), Vai Vai e Lavapés (foto), respectivamente. Se entre 1910 e 1930 brancos e negros não se misturavam nos cordões, a partir dos concursos instituídos a partir de 1935 pelo prefeito Fábio Prado - que incluíram os cordões negros - tem início uma gradual mistura sociocultural entre imigrantes e negros. No sentido cultural, alia-se o luxo da fantasia ao ritmo da música. Esse efeito hibridizador, característico da cultura de massa, promoveu uma manifestação homogeneizada, "consumível" por todos os estratos sociais.Algo bem distinto do sentido adquirido pelo carnaval na Idade Média.

Um comentário:

Anônimo disse...

Interessante ver como o carnaval foi importante para aproximação de brancos e negros. É uma pena que hoje exista toda uma indústria (televisiva principalmente) dando outro sentido a festa.