quinta-feira, 24 de março de 2011

Big Brother mental

O título deste post foi descaradamente copiado do título da canção que faz parte da improvável e bem-sucedida parceria entre o violeiro brasiliense Roberto Corrêa e o rabequeiro pernambucano Siba (Violas de bronze, 2009). O mais bacana dessa experiência foi o casamento de sotaques: da viola do planalto central e da rabeca e da viola dinâmica que ampararam a experiência multimusical do grupo Mestre Ambrósio. Bom, o pretexto para usar o título da canção é uma reflexão que vem me atormentando esta semana sobre a internet e este blog. Como os visitantes do blog já perceberam, como pesquisador acredito que pesquisa acadêmica é coisa para ser dividida com todos, pois não há sentido em achar que se trata de algo pessoal. O motivo é bem simples: ninguém faz pesquisa sozinho, por isso há agências de fomento à pesquisa, há orientadores, há a comunidade científica, a tradição acadêmica, as bibliografias etc. e tal. Durante muito anos esse conhecimento se encastelou nas lides acadêmicas e lá permaneceu, semi-oculta (semi porque pôde ser acessada pelos pesquisadores) e hoje a grande discussão que surge na sociedade permeada pelo paradigma instrumental é questionar acirradamente a academia, inclusive acusando-a injustamente de ser somente teórica e - lógico! - pouco instrumental. A melhor resposta, ao meu ver, é dar acesso a todos a esse conhecimento, abrindo mão dos floreios egocêntricos do pesquisador e entendendo que este deve ser, na realidade, disseminador do conhecimento para a sociedade. Por isso a minha satisfação em desenvolver um pós-doutorado a partir de uma parceria com o Centro de Memória do Circo, um órgão vinculado ao Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. Trata-se de pesquisa acadêmica com interface imediata com a sociedade. Essa é a primeira questão. A outra é o uso da internet que, em sua origem, representa um enorme avanço em termos de liberdade para a disseminação do conhecimento. Que o diga o cidadão John Perry Barlow, letrista do grupo de rock dos anos 70 Grateful Dead e autor da Declaração de Independência do Ciberespaço. Ele defende desde o início ser a liberdade de informação o grande papel da internet. Sim, há também o senhor Bill Gates que vê a rede como um imenso pote de ouro brilhando no fim do arco-íris, cornucópia sem fim do grande capital. Mas isso é outra questão; vamos ficar com a vertente original. E aí entra o uso de ferramentas como o blog para estimular o debate em torno do conhecimento (o que também gera mais conhecimento) - no meu caso específico, sobre as imbricações entre a cultura popular, a cultura erudita e a cultura de massa. Big Brother mental? Sim. E sem precisar instalar um chip em meu quengo.




Big Brother mental
(Siba e Roberto Corrêa)

Desde que aprendi a ler
Que me tornei curioso
Inquieto e buliçoso
Tudo eu queria saber
Procurei tanto aprender
Que findei desaprendendo
Por mais que eu viva querendo
Não acho a sabedoria
E o pouco que eu sabia
Agora estou me esquecendo
 
Aprendi a letra "A"
Pensando na letra "Z"
E no final do ABC
Misturei o bê-a-bá
Fiquei pra lá e pra cá
E a confusão me devora
Me atrapalho a toda hora
Pergunto a todo momento
Será que meu pensamento
Vem de mim mesmo ou de fora?

No museu abandonado
Minha memória se esconde
Guardando não sei aonde
Tudo que eu fiz no passado
E o meu cérebro lotado de TV e de internet
Está clicando delete
Para apagar os arquivos
Que guardam os quadros mais vivos
Do meu tempo de pivete

A lembrança está miuda
E a razão se atrapalha
Meu cérebro se embaralha
Não encontrei quem me acuda
Podendo eu pedir ajuda
Pra algum médico do Sudeste
Que faça uma pesquisa ou teste
Em macaco ou mamulengo
Instale um chip em meu quengo
Pra ver se eu penso o que preste

Pra eu pensar mais aplumado
Quero um computador
Com um bom processador
Na minha testa instalado
E um modem parafusado
Na coluna vertebral
No espaço virtual
Vou botar tudo que eu penso
Quem sabe um dia ainda venço
Um big brother mental

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