Final de tarde e o restaurante está vazio. É o velho Parreirinha, na av. General Jardim, ao lado da Aliança Francesa, com sua inesquecível vitrine com rãs e polvos dependurados num pequeno varal. Sento numa mesa e aguardo, no silêncio do salão. De repente ela chega e caminha, sorrindo, pelo corredor de mesas. Me encaminha a uma mesa próxima ao caixa, onde, no veludo vermelho do espaldar da cadeira há, em dourado, sua assinatura sobre uma viola. Sentamos. Saco o gravador para fazer as perguntas devidas - fazia parte da pesquisa que redundou no livro Moda Inviolada - Uma história da música caipira, o qual, seis anos depois, eu iria promover no programa Viola Minha Viola e reencontrá-la. Respondendo sempre com emoção na voz, sem parecer forjar uma só palavra, repetia o mesmo roteiro que deveria ter seguido em centenas de outras entrevistas. Cumprido o cortejo, o gravador já desligado, pediu algo para beber.
Foi aí que
Inezita comentou sobre o carnaval paulista, comparando o desfile das escolas de samba a uma marcha militar. A aceleração do ritmo do samba acompanhou o afobamento em desfilar dentro do prazo, de modo que os passistas cumprem o trajeto com um olho no relógio e outro no jurado. Fez questão de lembrar que o samba paulista era mais genuíno do que o carioca, afinal, veio diretamente da África, sem precisar fazer escala na Bahia (o samba carioca, contam os historiadores, nasceu na casa da baiana Tia Ciata, que reunia vários batuqueiros na Praça Onze, região central do Rio de Janeiro, para noites de pagodes onde era tocado o samba que haviam trazido da Bahia). Lembrou de Cornélio Pires, autor do livro Sambas e cateretês, publicado em 1932, em que compila as letras das duas manifestações musicais paulistas. O samba rural, estudado por Mário de Andrade, é uma manifestação do interior paulista, especialmente de Pirapora do Bom Jesus. Inezita lamentava que, assim como a música caipira havia se rendido às regras de mercado, o samba paulista também demonstrava reflexos muito distantes do que teria sido em sua gênese urbana. O que parecia inusitado, a sua familiaridade com o samba, na verdade era algo inato. Apesar de ícone da música caipira, Inezita nasceu na capital, numa Quarta-feira de Cinzas, e no instante em que o Cordão da Barra Funda passava pela janela de sua casa...

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