quarta-feira, 6 de junho de 2012

Valdomiro Silveira: o caipira literário

Antes dos modernistas descobrirem os personagens regionalistas, entre eles Macunaíma e o urbano Serafim Ponte Grande, houve uma onda literária dedicada ao caipira. Claro que entre esses autores está o contador de "causos" Cornélio Pires. Mas está ainda Valdomiro Silveira. Apontado por alguns estudiosos da literatura como precursos do regionalismo, o que é tema bem polêmico, o que ele inova é usar em seus contos uma artimanha literária que se tornaria exemplar a partir de Guimarães Rosa: a oralidade. Valdomiro é home do século 19, nasceu em 1873 e se torna promotor público em 1895. Tal fato o leva de Cachoeira Paulista, interior de São Paulo, sua cidade natal, para Santa Cruz do Rio Pardo, Casa Branca, Santos, num percurso que o colocou cada vez mais próximo ao personagem de falar peculiar que levou para as letras. Detalhe: abandonou as tintas carregadas dos autores românticos e foi direto ao assunto.  Em 1920 publicou Os caboclos, e em 1931 Nas serras e nas furnas. Mixuangos foi publicado em 1937 e Leréias, obra póstima em 1945, quatro anos após a morte do autor. E finda-se sua contribuição literária. Valdomiro foi ainda deputado estadual, secretário da Educação e da Justiça. Pai de Miroel Silveira, escritor, diretor, ator e homem de teatro, e tio da escritora Dinah Silveira de Queiroz. Mas não só usou a prosódia caipira nos seus contos como fez o registro literário das práticas musicais caipiras. Uma delas, escolhida a dedo para ser aqui reproduzida, foi a Moda do truco, que aparece em Mixuangos:

Zape matou sete-copa,
menina, falai comigo na horta;
sete-copa matou espadilha,
menina, falai comigo de dia;
espadilha matou sete-ouro,
menina, os seus olhos parece besouro;
sete-ouro que mata um três,
menina, falai comigo outra vez;
um três que mata um dois,
menina, falai comigo despois;
um dois que mata um ás,
menina, comigo não fala mais!

Ou, abusando mais do dialeto caipira, a moda que aparece no volume Os caboclos:

A moda de namorar
eu ensino pra vancê:
vancê ponha bem sintido,
pra 'mór de vancê aprender.

Se tiver perto de gente,
pra ninguém não perceber,
vancê não olhe pra mim,
que eu não olho pra vancê.

Quando nós tiver suzinho,
me abrace e abraço vancê:
damo abraços e buquinhas,
querendo pode morder.


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