quinta-feira, 14 de junho de 2012

Momento do compositor: Raul Torres, ainda sem João Pacífico

Se for possível usar uma metáfora arquitetônica para entender a música caipira - justo o caboclo que sempre viveu em palhoça de pau-a-pique... - pode-se dizer que Raul Torres é dos "pilares" do gênero, ao lado de Cornélio Pires. Aliás, quando este levou a primeira turma caipira para gravar na Colúmbia, lá estava Raul, embora os créditos apontem para "Bico Doce", pseudônimo que usou para esconder o nome artístico vinculado à gravadora Victor. Pois ele traz a caipirice de Botucatu, embora fosse, à época, um consagrado cantor de emboladas, gênero pelo qual se apaixonou após ver os Turunas Pernambucanos, grupo nordestino do qual fazia parte a dupla Jararaca e Ratinho. Mas após a fase de emboladas, Raul Torres passou a gravar modas de viola, toadas e música com temática rural. Nisso, deixou vários clássicos gravados. Claro que seu nome está plenamente vinculado ao de João Pacífico, o garçom dos trens da Sorocabana que virou compositor de música caipira. Mas no último programa de Danilo Darós, na Rádio Planalto, no domingo passado, as músicas e as histórias foram dedicadas somente a outras parcerias de Raul Torres. Ouviu-se A cuíca está roncando, sucesso do carnaval de 1935. Dois anos depois, ele emplacava dupla ao lado do sobrinho, Antenor Serra, o Serrinha. Com eles, ouviu-se Saudades de Matão, a polêmica valsa que nasceu de uma melodia ouvida por Raul numa cidade do interior, tocada por um cego que esmolava. Pegou a música, pôs letra e, ao lançá-la no rádio pediu que, se aparecesse o autor, que se apresentasse para receber os direitos. Apareceram centenas. Até autores da letra que, comprovadamente era de Torres. Dois comprovaram a façanha, embora também de forma antagônica. Antenógenes Silva assina a autoria musical, e Jorge Galatti o arranjo instrumental! Bom, após brigar com o sobrinho, Torres passou a gravar com Florêncio, grande violeiro e arranjador da maior parte das composições feitas com João Pacífico. No rádio lançaram o grupo Os três batutas do sertão, ao lado do acordeonista Rielli. O que também era uma novidade: agregar o acordeon de origem italiana à música caipira. Os três embalaram praticamente as duas últimas décadas de vida de Raul Torres, que morreu em 1970. Numa entrevista que fiz com Inezita Barroso para o livro Moda Inviolada - Uma história da música caipira, ela contou que, na adolescência, sabendo bem da amizade do pai com o compositor e cantor, quando chegava seu aniversário e perguntavam o que queria ganhar, não tinha dúvida: "o Raul Torres na minha festa!" E foi com ele que aprendeu muito sobre a viola e a música caipira. Claro que escondido, pois naquele tempo, não caía bem a uma moça querer viver agarrada a uma viola...
Uma relíquia musical no vídeo abaixo: Bico Doce e sua Turma do Norte na série Turma Caipira Cornélio Pires, da gravadora Colúmbia, gravada em 1929.


P.S. - O Google implicou com o Cará Pinhé e decidiu mandar um aviso para quem usa o Chrome dizendo que o site é perigoso. Mas nem a espingarda de dois canos do caipira é perigosa nesses tempos de Internet... Só acontece no Chrome! Estou tentando resolver isso e logo tudo voltará ao normal.

Um comentário:

Daniel Mendes disse...

Adorei seu blog!sou aficcionado por música caipira,apesar de esse termo para mim ser novo.minha mãe chama a música caipira de sertaneja e diz que música sertaneja não é sertaneja pois da música original só tem o dueto.aprendi a gostar desse gênero com ela,que durante muito tempo cantou em duplas fazendo segunda voz.é bom ler textos com um olhar acadêmico sobre o assunto,pois falta, e muito informações sobre a música caipira, o que não acontece tanto com outros gêneros populares, como o samba, por exemplo.vejo hoje em dia um despertar de interesse pelo assunto e muito menos preconceito que havia antes! a sanfona não existia antes na música caipira e foi introduzida pelo rielli?obrigado pela informação, que para mim é nova!tenho 29 anos, e apesar de muita gente ainda achar coisa de velhos, sei que o que é atemporal nunca envelhece!vc presta um grande serviço a cultura Brasileira!