quinta-feira, 28 de junho de 2012

Censura no picadeiro


Entre os anos de 1930 e 1970, enquanto vigorou a censura teatral estadual em São Paulo - a partir de 1968 ela se tornou federal - todo espetáculo produzido deveria submeter ao Departamento de Diversões Públicas (DDP) o texto teatral, que passava pelo crivo de um censor, que tinha a prerrogativa de cortar palavras, proibir termos, eliminar personagens, vetar diálogos inteiros ou mesmo proibir a peça de ser encenada. Nesse período todo gênero teatral teve de passar por esse rito, que não se restringia à análise do texto: envolvia também a encenação da peça para o censor, que mantinha as mesmas prerrogativas. O Teatro de revista, as encenações amadoras e o teatro profissional sofreram com essas intervenções. E o circo-teatro, por mais ingênuo que possa permanecer na memória daqueles que viveram seu período áureo, que riram e choraram sob uma lona de circo vendo essas encenações, também foi censurado. O Arquivo Miroel Silveira, da ECA/USP, que mantém os processos de censura do antigo DDP, guarda dez peças que foram vetadas em diversos períodos. Algumas delas clássicos do repertório de circo-teatro, o que torna incompreensível a lógica da censura. A seguir, as peças e a motivação dos vetos:

1. As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin) - O clássico de Piolin incomodou por tratar das amantes de um tenente... Detalhe: amante foi a palavra mais censurada no período coberto pelo arquivo.
2. A ladra (Silvino Lopes) - Por ser um atentado à família brasileira...
3. Lampião, o rei do cangaço (Paulo Bonetti) - Segundo o censor, por fazer "apologia ao crime" e por ter "cenas de ferocidade".
4. João, o corta-mar (João Cândido de Oliveira) - Obrigatória no repertório de todo circo, a peça desagradou em 1943 por conter cena de suicídio e homicídio.
5. Nos degraus da perdição (Horácio Mello e Nacy Togneli Mello) - A fala inicial do vilão da história em relação à mocinha tirou o discernimento do censor. Ele diz ter "saciado o desejo de possuir o corpo" da moça.
6. Deixa correr o marfim (Armando Braga) - O censor acusou o texto de ser plágio da peça portuguesa O tio padre. Em se tratando de circo-teatro, falar em plágio é algo bem estranho, pois a adaptação de textos, arranjos, translados, etc. é comum entre os circenses.
7. Gaspar, o serralheiro (Baptista Machado) - Drama operário em pleno Estado Novo: não daria certo mesmo...
8. E o céu uniu duas almas... (Helen Fantucci de Mello) - Essa sim uma cópia do clássico E o céu uniu dois corações..., de Antenor Pimenta. Mas foi proibida porque os atores usavam uniforme da Aeronáutica...
9. Defesa passiva (Agenor Gomes) - Foi aprovada com cortes, mas o serviço de Defesa passiva, ao ver o anúncio do jornal da estreia da peça, pediu o veto. Eram tempos de guerra...
10. Revelação fatal (Agenor Gomes) - O pobre Paraguaté, apelido do autor, amargou novo veto, agora acusado de usar temas fortes como adultérios, abortos e misérias morais.

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