segunda-feira, 9 de abril de 2012

Hoje tem Mazzaropi no Cine Urupema


Apesar da correria, ao chegar perto do Cine Urupema, no antigo largo da rodoviária, nos deparamos com a fila fazendo a volta no quarteirão: era sempre assim quando estreava um filme de Mazzaropi em Mogi das Cruzes. Aliás, não só em Mogi, mas em qualquer cidade do interior. Era um acontecimento. Após comprar os ingressos na bilheteria circular que ocupava o centro do salão de entrada do velho e ainda portentoso cinema - isso na década de 1970 - atravessava-se a roleta do rasgador de bilhetes (o mesmo que, anos depois, me mandou voltar com o bilhete quando tentei ver Tubarão, de Spielberg, liberado para maiores de 14 anos e eu sem carteirinha... por conta disso jamais assisti a esse filme!). No salão de projeção, sentados nas poltronas vermelhas, eu, meus pais e minhas irmãs e outras tantas famílias aguardávamos o início da película, com ansiedade. Eu olhava o pé direito imenso da sala, as lâmpadas dispostas num teto distante, as laterais cobertas por um papel de parede antigo, mas ainda distinto. E, de repente, o Jeca irrompia na tela e somente a sua presença já despertava a gargalhada geral. Todos riam, jovens, velhos e crianças. Bastava um ou dois passos do personagem de Mazzaropi, e a assistência explodia em novo riso. Jeca e seu filho preto, Jeca contra o capeta, Jeca macumbeiro. Lá surgia sua inseparável Geni Prado. Os temas eram sempre sobrenaturais, pois se vivia o tempo do Exorcista, do Bebê de Rosemary. E o Jeca concorria com elegância e muita referência popular. Havia sido descoberto por Abílio Pereira de Almeida num programa de televisão. Este, autor de peças encenadas no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), criticado pelas esquerdas e convidado por Franco Zampari a ajudar a construir a indústria cinematográfica brasileira, foi trabalhar na Vera Cruz, nossa Hollywood de São Bernardo do Campo. Abílio o lançou no cinema com Sai da frente, em 1952 e dirigiu, no mesmo ano, Nadando em dinheiro, ambos sucessos de bilheteria. Abílio ainda estreou Candinho, em 1954, com Mazzaropi encarnando o anti-herói de Voltaire. O grande personagem, o Jeca, apareceu no cinema em 1959, mas foi gestado por anos no circo e no teatro popular. A família de Amácio Mazzaropi, é do Vale do Paraíba, Taubaté, mas o caipira de nome italiano nasceu na capital, na rua Vitorino Carmillo, região central. Atuou nos Teatros Provisórios de Nino Nello, ator e diretor de origem italiana, que o descobriu e o fez conhecido atuando na peça Filho de sapateiro, sapateiro deve ser. Foi essa fama que o levou à TV e, depois, ao cinema. Criou um Jeca que não é o Jeca Tatu, que representou no filme do mesmo nome em 1959, menos indolente e mais esperto, como se fosse uma mistura do Jeca com o lusitano Pedro Malasartes, que também encarnou no cinema no mesmo 1959. Miroel Silveira o considerava o produto mais bem acabado da mistura das duas matrizes teatrais de São Paulo: a italiana, de Nino Nelo, e a caipira, de Genésio Arruda, que atuou em três filmes de Mazzaropi. Enfim, foi um caipira que se integrou ao imaginário urbano, que embalou as saudades daqueles que saíram de suas terras para tentar a vida na capital e que viam naquele desajeitado a sua própria essência. Mazzaropi morreu rico e insatisfeito com o tratamento que a crítica dava a seus filmes, sempre rotulados como "entretenimento fácil" quando, na segunda camada se mostravam politicamente posicionados. Não como a esquerda queria, nem como a direita gostaria. No seu centenário, completado hoje, certamente haverá muitas reportagens. Talvez poucas alcancem sua importância cultural. Na sequência, trecho do filme Tristeza do Jeca, de 1961, com participação de Genésio Arruda (Coronel Policarpo).

Um comentário:

Valdir disse...

Adorei seu primoroso texto, nele você narra com precisão como era o glamour de ir ao cinema, os filmes,e tudo isto vivenciado no cine Urupema de Mogi das Cruzes...seu texto falou de Saudade sim tempo dourado que não volta mais. Hoje nosso amado cinema foi tomado por uma igreja evangélica...tristes tempos. Um abraço Valdir F. Souza