terça-feira, 27 de março de 2012

O pesquisador, vítima das diatribes de Piolin


Há dois anos tento entender a vida artística de uma figura que hoje poucas pessoas lembra ou reconhecem: o palhaço Piolin. Quando o escolhi como objeto de uma pesquisa acadêmica de pós-doutorado, em 2010, quase uma sequência do doutorado, em que abordei o universo do circo em São Paulo e no Brasil, havia para mim um vasto universo a ser desvendado a partir de 450 peças presentes no Arquivo Miroel Silveira, da ECA/USP, que levavam a rubrica do Circo Piolin, que esteve em atividade de 1933 a 1961 na capital. Dessas 450, 90 levavam a assinatura do palhaço como autor, o que me dava a oportunidade de pesquisar a sua contribuição autoral à cena paulista. Como toda pesquisa, o que parecia evidente não era tanto assim. Logo de partida três opiniões de peso objetavam o que para mim parecia óbvio. A primeira dessas opiniões era de Miroel Silveira, o patrono do arquivo que era a base da minha pesquisa. Aliás, vale aqui relembrar, foi esse professor - também autor, diretor, tradutor, ator - que conseguiu resguardar os mais de 6 mil processos de censura do antigo Departanento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo, que procedeu à censura teatral do final da década de 1920 até 1968 quando, então, a censura se tornou federal, após o famigerado AI-5. Miroel conhecia o arquivo, pois o usou como fonte para a sua pesquisa de doutorado, sobre a presença italiana no teatro brasileiro. Com o fim da censura, a partir da promulgação da Constituição de 1988, soube que o arquivo seria incinerado e o levou para a ECA/USP. Pois bem, na sua tese dizia, com todas as letras, que a obra de Piolin era repetitiva e não alcançava "páramos de criatividade", não valendo a pena ser estudada. Mas isso não era tudo. Um artigo de Paulo Emílio Salles Gomes, intelectual da revista Clima, intitulado "Vontade de crônica sobre o Circo Piolin, solidamente armado na Praça Marechal Deodoro", o aviso inicial era desolador: "Não adianta conversar Piolin com quem não viu Piolin". Ou seja, sua arte estava na presença do palhaço, não na sua escrita dramatúrgica. Por último, a estocada final vinha do próprio Abelardo Pinto Piolin. Numa entrevista dada ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo em 1971, disse à cineasta Suzana Amaral, que havia acabado de filmar Sua Majestade Piolin, um curta-metragem sobre o palhaço, quando perguntado se escrevia suas peças. "Adaptava. Arranjos eu fazia." Assim, essas três opiniões esvaziaram o meu objeto de pesquisa! Mas não inviabilizou o meu esforço futuro, que concentraria a pesquisa na compreensão da dramaticidade do palhaço, na sua presença no picadeiro - emprestando a memória de quem o viu atuar - e entendendo de que forma seu circo, por quase três décadas, foi a referência popular de um público fiel. Pelos bailes que levei de Piolin nesses dois anos, e por ter a oportunidade de ver além do óbvio, saúdo o palhaço neste 27 de março, data de seu natalício e que foi escolhida para comemorar o Dia do Circo. Como diria Piolin em situação de claro embaraço nas incontáveis cenas que protagonizou em seu circo: "Iiiiiiiiiiiiii!!!" 

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