quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A lógica do refrão: o sucesso é como um colibri

Não é que me surpreendi com uma chamada do UOL, de um, digamos, articulista, cujo texto tinha o singelo título: "O que o 'Ai, se eu te pego' ensina à música sertaneja". O autor do texto, André Piunti, tem 27 anos e avisa, de início, que, aos que não estão acostumados com textos longos, ele facilitará com a marcação de alguns "tópicos". Bom, para resumir os quatro pontos levantados pelo jornalista: 1. Música sertaneja é comercial e precisa fazer sucesso; 2. O refrão de Michel Teló (me recuso a chamar de música) se tornou uma obsessão, pois todo artista busca o "bordão novo", que pegue; 3. É problemático a música sertaneja escapar ao público popular, embora as classes mais abastadas rendam mais; 4. Teló é o melhor exemplo de que o formato CD está no fim, pois para quê gravar vinte músicas se só se vai trabalhar três ou quatro faixas comercialmente?
Bom, parto do princípio de que a música dita "sertaneja" tem origem na música caipira, aquela produzida a partir de 1929, e que alcançou seu ápice na década de 1940. A partir daí, ela passa a agregar influências de gêneros importados, primeiro da guarânia e do corrido mexicano, depois do bolero, do rock da Jovem Guarda, até se tornar "sertaneja", ou seja, do agrado da grande classe média, que se expande e passa a responder pelo lucrativo mercado fonográfico. É quando explode a dupla Chitãozinho e Xororó. A fórmula, que perdura desde os anos 1980, foi se desgastando, e hoje o que se produz em nome do selo "sertanejo", nem "sertanejo" é mais. Mas vamos entender a lógica do articulista: 1. Música sertaneja é comercial e ponto. Tão lógico quanto crer que Caetano Veloso é comercial, Zeca Baleiro também, Luiz Gonzaga idem. O que não implica em crer que para ser comercial é preciso seguir alguma fórmula de sucesso, se é que elas existem. Muito menos crer que a simplificação musical seja a salvação. 2. Reduzir essa pretensa fórmula de sucesso a um "bordão novo" é comprar cegamente a "lógica" da indústria fonográfica, que é a de produzir industrialmente a música fácil, sem sentido, sem identidade, que se vale da repetição palatável, ou do chiclete musical, para ser mascado mecanicamente. Foi com essa "lógica" que a indústria fonográfica destruiu a música brasileira. Certa vez vi um representante dessa indústria dizendo que a pirataria estava destruindo a música brasileira. Eles foram mais efetivos. 3. Nesse ponto está, de fato, um dos maiores paradoxos da indústria fonográfica. O povão não compra CD, pelo menos o da gravadora, compra o pirata, baixa música, copia. Quem paga CD é a classe média alta. Mas para ser popular, é preciso produzir para um público que não vai pagar. Aliás, o "sertanejo universitário" já percebeu isso, tanto que só grava CD ao vivo, deixando de lado qualidade e estúdio, pois optou por dar ao público o mínimo para tentar emplacar seu "refrão novo". 4. O fim do CD. A argumentação do articulista parte de um fato inusitado: os antigos bolachões tinhas só duas músicas! Aí veio o LP, o CD e... para que gravar vinte músicas? Bom, creio que sua pouca idade o fez conviver pouco com o LP - ou quase nada - o que o impede de compreender qual a proposta comercial desse formato, bem diferente ao do CD, que embute a lógica da música de trabalho. No caso do LP havia a preocupação de se um conceito para o disco, trabalhar esse conceito e produzir algo redondo (não só fisicamente), ou seja, com uma proposta interna de discurso. Nesse sentido, valia desde os famosos discos do tipo "Tonico e Tinoco cantam José Fortuna", até um libelo como "Clube da Esquina", de Milton Nascimento, que trabalha a ideia de amigos músicos que se reúnem para celebrar a amizade e seu tempo. Enfim, concluo que a "contribuição" de Teló - aliás, ele é o que? "Sertanejo" não é; nem forrozeiro... - é a de  aprofundar a banalização da música brasileira, indo além do que a indústria fonográfica já fez. Vou me abster de concluir esse post por demais longo - e sem tópicos! credo! - para dar a palavra ao imprescindível Tião do Carro, em sua lucidez caipira:

"Então o poeta hoje em dia existe, quem faz uma letra mesmo aí com valor de rima, rima dobrada, rima trançada, ele passa despercebido. Hoje em dia a turma quer pular e marcar o refrãozinho. E só. E meio versinho e tá acabado. O sucesso também é assim: passageiro que nem um colibri..."

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