terça-feira, 11 de outubro de 2011

A iniciação do violeiro Paulo Freire

O encontro entre viola e violeiro envolve o grande mistério que justifica a maior parte dos encontros entre o ser e seu propósito nesta vida. No caso do caipira, esse encontro chega a ser quase obrigatório, pois vem da família e das festas. Outras vezes, quando um cidadão caminha pelas ruas da cidade, ele pode encontrá-la na próxima esquina. Com Paulo Freire foi um pouco diferente. Sendo cidadão, quis procurá-la no sertão. Seu encontro com a viola seguiu um completo rito de iniciação. E como manda o roteiro dos iniciados, envolveu uma longa viagem. Hoje violeiro consagrado e grande contador de causos, Paulo Freire carrega em sua sina as marcas dessa inicação. Quando o entrevistei para o meu livro Moda Inviolada, lá pelos 2000, ele me contou a seguinte história, digna de registro para as gerações futuras de violeiros:

"Entre minhas leituras, que eu acho que me conduziram à viola, as principais foram: o romance A Pedra do Reino, do Ariano Suassuna; Os Sertões, de Euclides da Cunha; Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa; Os parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido. Eu acho que esses livros me levaram àquela coisa de procurar no campo, procurar no homem brasileiro a música, procurar um caminho que estivesse dentro de mim mesmo. Agora, o principal deles foi o Grande Sertão, que eu fiquei deslumbrado com aquela história, com aquele livro, com aquela linguagem. Eu e mais dois amigos na época quisemos descobrir qual era o som do grande sertão. Então a gente queria fazer uma viagem pelo Brasil pra conhecer a música brasileira. Pegamos o mapa que tinha na orelha do Grande Sertão, na edição antiga, desenhado pelo Poty, sobre como era o Urucuia e aquela região. A gente procurou vários mapas na época e não achamos nenhum que tivesse a região. O mapa mais completo, por incrível que pareça, era esse do Poty. Então pegamos esse mapa, fomos até o Recife, onde a gente conversou com o [Ariano] Suassuna, conversou com o Antonio Madureira que estava desenvolvendo o trabalho com o Quinteto Armorial, e que era acostumado a fazer pesquisa de campo. Tínhamos algumas indicações com eles. Aí, de lá, fomos até Juazeiro, pegamos um vapor no rio São Francisco, descemos na cidade de São Francisco, fomos até a Serra das Araras por indicação da Maureen Bisilliat, que é uma fotógrafa que fez um trabalho muito bonito com Guimarães Rosa, e ela fez uma viagem com ele por ali também. E um lugar que ela esteve foi nessa festa na serra, e é uma festa que reúne todos os sertanejos da região, todo mundo vai ali pra casar, pra batizado, pra se divertir, pra namorar, pra festas, pra fazer compras. Então, a gente foi lá e conheceu uma pessoa muito incrível chamada “seu” Juquinha Bombê,  na época devia ter uns 70 anos... (...) E cheguei lá, o seu Juquinha  falou: “Olha, vocês querem Folia de Reis, vocês querem música de viola, tem que ir pra um lugar chamado Porto de Manga, que era um povoado à beira do Rio Urucuia. Eu disse era porque hoje em dia virou cidade, que se chama Urucuia. E chegamos lá em Porto de Manga, indicados pelo seu Juquinha, fomos conhecendo as pessoas da região... exatamente a data, a gente ficou na serra das Araras até dia 13 de junho, que é o dia de Santo Antonio, que é o padroeiro da serra. Então a gente saiu da serra, deve ter chegado em Porto de Manga lá pelo dia 15, por aí, e aí ficamos direto. Fomos conhecendo as Folias de Reis e o que eu percebi lá quando em contato com as músicas que cercam a viola, é que, a viola ali vai muito além de um simples instrumento. Ela carrega o sertão dentro dela."

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