sexta-feira, 20 de maio de 2011

Politicamente incorreto não precisa ser grosseiro

Não vou entrar a fundo na discussão, pois sempre achei que aquele que cunhou o termo "politicamente correto" estava procurando já o "politicamente incorreto", pois não se cria um conceito manco se já não se dispõe da muleta. Bom, enquanto se discute a grosseria daqueles que perderam a sutileza do humor, resgato, uma vez mais, o bom e velho Cornélio Pires, que em 1928 escreveu esse pequeno "causo", que bem poderia ser contado de pé, para uma platéia disposta a rir - ele contava sentado e vestido com fraque e cartola e nem sabia o que era esse troço de "estandape" - com a diferença que, apesar de politicamente incorreta, a anedota nem precisou ser grosseira...

Estava Nhô Inácio pescando no seu ceveiro, vendo se arranjava uma fieira de pacu-pevas, chumburés, ferreirinhas e piabas, quando viu um indivíduo, todo vestido, atirar-se ao rio.
O caipira, rápido, atirou-se à água e salvou o desesperado.
O suicida saiu, caminhou ao longo da barranca do rio e, chimbum! Atirou-se de novo.
Novamente, com paciência, Nhô Inácio tornou a salvar o pobre diabo.
Voltou o pescador ao seu posto, mas ficou de olho.
Pouco abaixo havia uma árvore seca.
Dali a pouco ouviu vozes o caipira e levantou-se para ver o que havia.
- O senhor não viu? Não podia intervir? Como é que deixou este homem se enforcar? - gritaram-lhe diversas pessoas.
E Nhô Inácio, calmo:
- Uai! Puis eu tirei ele duas veis de drento do riu: tava tudo moiado. Quando vi ele se dipindurá aí, imaginei que ele tava campeano um jeito de se dipindurá pra secá...
(Cornélio Pires, Meu samburá, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1928, p. 200)

Nenhum comentário: