Os leitores do blog já perceberam que não gosto muito de entrar de cabeça nas pautas inventadas pela imprensa para preencher seu espaço e o tempo dos leitores, embora sempre use-as como pretexto para dar a minha opinião. Hoje recorro à falsa polêmica - digo falsa porque turbinada pelas redações e sobre argumentos os mais vazios - sobre o livro que faz o aluno desaprender a "escrever direito" porque considera a língua falada. Na verdade, esclarece-se - o que deveria ter sido feito na "reportagem" que gerou a tal polêmica - que o livro Por uma vida melhor, distribuído pelo Misnistério da Educação e acusado de seguir a "norma inculta" orienta-se por uma diretriz do mesmo órgão, a de não desprezar a fala popular.
Coincidentemente estou lendo A imprensa carnavalesca no Brasil - Um panorama da linguagem cômica, que José Ramos Tinhorão concebeu com exemplar erudição (às vezes até exacerbada). O tema é o mesmo: como a escrita erudita, séria, se contaminou com o humor e rendeu a escrita macarrônica. Meu interesse é a fala do palhaço, claro. Afinal, sua graça não está somente na sua máscara pintada nem só no seu genial jogo de corpo. O humor do palhaço é físico, claro, o que inclui também a voz e a linguagem. Essa "contaminação" entre erudito e popular, sério e engraçado, começou dentro da própria Igreja, em plena Idade Média (bem que Umberto Eco já havia dito que este foi um período muito mais de luz do que de trevas). Obra do baixo clero, a incorporação de anedotas pagãs em textos sagrados acabou, no decorrer dos séculos, tornando a escrita laica e promovendo o surgimento de uma língua de leigos. Discursos desconexos, imitando erudição - chamados de "pantagruélicos", em referência ao livro de Rabelais, Pantagruel - foi tradição no Brasil tanto entre intelectuais do período romântico (muitos autores escreveram versos cômicos mas não tiveram coragem de publicá-los) como entre os palhaços do início do século XX. Piolin dominou bem esse tipo de humor verbal. A teatralidade nacional, em especial a vinculada à tradição cômica, soube trabalhar e empregar as técnicas da linguagem falada para criar um tipo de humor que revela a mistura de sotaques estrangeiros (português, italiano, alemão, japonês...), a troça dos sotaques regionais (cito sempre Cornélio Pires), a imitação e a paródia dos falares, etc. Enfim, com rico material disponível e gratuito pode-se criar um delicioso humor cotidiano. Pena, insisto novamente, pois já tratei disso num post da semana passada, que na onda dos "estandapes", além do gênero ter caído na grosseria e no insulto, a graça da linguagem falada foi a primeira a ser deixada de lado. O escritor Cristóvão Tezza disse num debate de televisão que a diferença entre a língua oficial e o dialeto é que a primeira tem Exército. Tem imprensa também. Mas se nem a Igreja em plena Idade Média conseguiu calar o baixo clero...
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