sexta-feira, 15 de abril de 2011

Circo e literatura: O fantasma do circo, Verônica Tamaoki (2000)

"O espetáculo vai começar. O público se acomoda. Os vendedores correm pelo circo, aproveitando os últimos minutos que lhe restam.
O zunzunzum que percorre todo o espaço silencia quando um grupo de homens e mulheres, bem diferentes do público habitual, entra no circo e ocupa as melhores frisas. São os modernistas Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Sérgio Buarque de Holanda, Paulo e Yan de Almdeida Prado, Di Cavalcanti, Menotti Del Picchia, Alcântara de Barros e outros.
O corifeu do poleiro anuncia:
- Tem gente fina no circo!
Em coro, os empoleirados complementam:
- Tem francesa no morro!
Oswald de Andrade se levanta e acena para o público com as mãos juntas. O galinheiro vem abaixo.
Piolin não sabe quem são. Mas, quem quer que sejam, são só atenção para com ele. E qual artista não gosta de ser o alvo dos interesses?
Ao reparar que suas graças são apreciadas, guincha de satisfação. Da flor que traz na lapela, esborrifa água no homem de óculos, que rubra sua mulatice. Repara na mulher bonita, cabelo preso à nuca, pega-rapaz na testa e grandes pingentes nas orelhas. Num gesto de galanteio, tira o chapéu e descobre que ela é mais bonita quando sorri. Encabulado, o palhaço enfia o pescoço no enorme colarinho branco e pestaneja... Embaralha-se nas próprias pernas, espatifa-se no chão e, num salto, se recompõe. (...)
No final, o grupo invade o picadeiro. O primeiro a se apresentar é aquele a quem Alice se deixara ver, o poeta Oswald de Andrade. A mulher bonita é sua esposa, Tarsila do Amaral, pintora muito famosa. Abelardo repara que suas mãos são compridas e finas, lindas! Todos são artistas. O homem magro e mulato é Mário de Andrade, escritor, e lhe diz que ficou envergonhado quando o palhaço escorrifou água em seus óculos.
- Sou tímido, justifica-se.
- Eu também, diz Abelardo, mas o Piolin..."

(Verônica Tamaoki, que hoje coordena o Centro de Memória do Circo, corajosa e sob muita pesquisa, decide escrever o romance que faltava sobre o circo, e dá, no início do milênio, a sua grande contribuição literária. No capítulo reproduzido, conta o encontro que rendeu muitos dividendos, entre o poeta e o palhaço. Depois dele, Piolin se tornou o maior palhaço brasileiro. Oswald homenageou-o em Serafim Ponte Grande e deu seu nome ao protagonista de O rei da vela. Um grande mergulho no universo circense, de onde se sai com a alma lavada.)

Nenhum comentário: