terça-feira, 2 de agosto de 2011

Dona Helena na estrada Boiadeira

Figura que a mídia achou digna de compor o imaginário americano envolvendo as lendas do blues e que defendo ser legítima cria da cultura caipira temperada pelos ritmos paraguaios característicos da região fronteiriça do Mato Grosso, Helena Meireles deixou sua marca na música brasileira apesar de só conseguir emergir de uma vida atribulada já no seu final. Por sorte tia de Mário e Milton Araújo, ambos músicos e o primeiro produtor musical - foi ele que enviou o primeiro CD de Helena, sua palheta de chifre de boi e um guizo de cascavel para o editor da revista Guitar Player (1993), que a incluiu entre as principais palhetas do século XX - a velhinha carrancuda conseguiu estarrecer plateias com sua viola ritmada e alegre, além de animá-las com sua incríveis histórias, hoje clássicas. Por exemplo, o parto que fez em si mesma no gramado da fazenda, as brigas que se envolveu no tempo em que tocava na "zona", para onde foi depois de se desentender com o primeiro marido que ousou pensar em proibi-la de tocar a viola. Esta, por sua vez, no período em que surgiu e tocou em shows e programas de televisão, era sempre a viola dinâmica, com suas sete bocas.
Assim como foi meteórica sua carreira - foi lançada aos 67 anos, em 1991, e morreu aos 81, em 2005 - esta também foi atribulada, muito em função de seu gênio. Após os dois primeiros discos brigou com os sobrinhos, que faziam os shows com ela. Fez seu terceiro disco sob a direção de Kid Vinil, pela Eldorado, com um dos onze filhos, Francisco, no violão, e o primo Aílton, no baixolão. Doente, enfraquecida pela vida de excessos, intercalava os shows por períodos de recuperação. Adorava se vestir de vermelho - colorado - como revela no documentário Dona Helena (2006), direção de Dainara Toffoli. Aliás, perfeito ao documentar a carreira, o dia a dia, o gênio e a cultura dessa violeira pantaneira, patrimônio musical da viola. Uma viola, aliás, que difere em toque e musicalidade da tradicional viola paulistana, mas que mantém a originalidade criativa que repercute numa sonoridade que, não fosse ela, talvez continuasse à margem da música brasileira.

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