Lembrei que, ao entrevistar o herdeiro de Arrelia, Waldemar Seyssel Filho, ele havia me contado que a amizade do pai com os censores era tamanha que, certa vez, eles o presentearam com um relógio de bolso, onde foi gravada uma dedicatória do departamento ao grande cômico. Contou ainda que a presente se perdeu no espólio de Arrelia dividido entre os familiares, o que lamentava muito. A crônica de Schmidt termina assim:
Cada noite, uma anedota nova. Em cada anedota ele põe um pouquinho de sua alma popular, solidária com as agruras do povo. Antigamente, sofria com isso. Depois de contar a pilhéria, via um sujeito de mac-farlane à sua espera, na entrada dos bastidores, com um envelope na mão. Tratava-se de um convite para ele, no dia seguinte, ir conversar com a censura. Arrelia nunca faltava à chamada. Descia do automóvel à porta da repartição e entregava ao porteiro o cartão de visita. O porteiro benguela, ao reconhecê-lo, mostrava o 1001 das gengivas. E levava-o ao censor.
- Você outra vez aqui? – perguntava o funcionário, encantado com a visita.
- Chamaram-me...
- Pois eu gosto muito de ouvir as suas anedotas. Aquela de ontem, hein? A mulher da fila do açúcar... O engraxate que não tinha onde dormir... O chefe de família que aproveitou a saída de uma mudança para aboletar-se na casa, sem licença do senhorio... Você é da pele do demônio! Mas por que motivo você não arranja outros assuntos?
- Porque esses são a vida.
- A vida de quem?
- Dos pobres diabos, dos pés-rapados, dos infelizes, isto é, da minha gente.
Então os dois riam, um diante do outro, por motivos diversos.
- Olhe, volte para o seu circo e deixe de bobices.
Arrelia voltava. Na mesma noite contava outra anedota. Quando terminava, entre o clamor do público divertido, espiava com o rabinho do olho para a entrada dos bastidores e sentia frio. É que lá estava o sujeito de mac-farlane, o sujeito da meia-noite, com um envelope na mão, à sua espera...
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